O debate sobre terras indígenas e suas questões de direito são fundamentais para quebrar preconceitos e paradigmas, além de aprofundar a compreensão desses assuntos. Os Créditos de Carbono e os REDDs (Redução de Emissão por Desmatamento e Degradação) são os temas mais recentes nesse debate. Pensando nesse contexto a Faculdade Estácio do Pará promoveu, dentro da I Jornada dos Povos Indígenas, a mesa redonda “Mercado de Carbono: Terras Indígenas e Questões de Direito”.


Direitos Indígenas

O Juiz Raimundo Rodrigues Santana, Mestre em Direito Ambiental, começou a explanação ressaltando a importância da população se livrar de preconceitos, conhecendo cada assunto para tirar suas próprias conclusões.

Raimundo lembrou que certa vez, em palestra sobre Comunidades Indígenas, um professor Mestre pela Universidade Federal do Paraná, frequentemente errava algumas palavras em seu discurso. O palestrante, percebendo o incômodo do Juiz com os tropeços da língua, ressaltou que para ele o português era só mais um idioma, dentre os seis que ele falava, os quais cinco eram indígenas. O episódio fez com que Raimundo Rodrigues, percebesse o quanto é grande o preconceito dos não-indígenas e a importância de se abrir para essas culturas. “Temos que esquecer as Caravelas, pois os índios de hoje não são mais os de 500 anos atrás. Nós temos que compreender os indígenas, entendendo que somos uma comunidade plural, e partes integrantes da sociedade brasileira. A pouca compreensão e a fraca percepção desses conceitos se dá pelo preconceito”, disse.

O juiz afirmou ainda que os artigos 231 e 232 da Constituição tratam especificamente do indígena, numa visão multicultural, reconhecendo os direitos pelas áreas tradicionalmente ocupadas pelas comunidades, embora essas sejam de difícil identificação. As terras são de posse permanente dos índios, mas de propriedade da União, ou seja, não podem ser vendidas e são apenas para usufruto dos índios. Além disso, a lei também garante que as comunidades sejam ouvidas no Congresso Nacional quanto ao uso das terras pelo governo, e isso não é o que acontece. Exemplo claro é a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, que afetará muitas comunidades em seu entorno quando construída. Raimundo afirmou que nesse processo “seria imprescindível que as comunidades indígenas fossem ouvidas pelo Congresso Nacional acerca das problemáticas que envolvem a construção da dela, mas isso não foi o que efetivamente aconteceu”, explicou.

O Juiz concluiu sua introdução dizendo que o Mercado de Carbono pode ser (se bem formulado e aplicado de forma correta) um dos instrumentos possíveis para a preservação e conservação de um ambiente ecologicamente equilibrado.


Um mercado ambiental?

O Dr. Thomas Mitschein(POEMA-UFPA), abriu a segunda etapa do debate apresentando uma serie de questionamentos sobre o mercado de carbono, sobre o futuro das sociedades altamente industrializadas e poluidoras. O sociólogo apresentou uma contextualização socio-ambiental do desenvolvimento da sociedade capitalista, em que todos os bens, inclusive os naturais podem virar mercadorias. Nesse sentido, afirma Thomas, o Crédito de Carbono não é exceção.

Com o aquecimento global, o efeito estufa afetará a todos os países, uns mais outros menos, proporcionalmente aos diferentes níveis econômicos. “A humanidade enfrenta uma relação direta entre economia e ecologia. A economia nos leva a insistência de viver dentro de determinado padrão de consumo e ecologicamente falando, nós não conseguimos viver ainda, dentro deste padrão de forma sustentável”, explicou Thomas.

Países emergentes como o Brasil, a China e a Índia, já estão na lista dos 10 maiores poluidores do mundo e Thomas vê possibilidades estratégicas na implementação de um mercado efetivo de carbono. Ao contrário do Protocolo de Kyoto que prevê paliativos sobre áreas já degradadas, o REDD é uma alternativa para manter as florestas em pé e evitar o uso predatório dos recursos naturais através de um mecanismo de compra e venda.

Para ele, o mercado de carbono tem o potencial de aproveitar de forma mais sustentável os recursos naturais. E isso envolve naturalmente questões do território indígena.
Para Dr. Thomas, esses recursos tem que ser necessariamente destinados para o beneficio dos indígenas, do Brasil e da sustentabilidade e que “Esse tema envolve um sujeito complexo, implicações jurídicas e mercados complicados, mas não pode ser desconsiderado como um mecanismo que poderia resolver problemas graves de todas as terras no Brasil”.

A FUNAI não dispõe de recursos para garantir solução para esses problemas, pois o repasse do Governo Federal para a solução desses problemas não são proporcionais ao tamanho do problema. Com isso uma riqueza está ameaçada, uma riqueza não só dos indígenas, mas do Brasil, uma riqueza maior do que todas as indústrias do Estado de São Paulo juntas. A questão é saber usá-las, o primeiro passo, é protegê-las. O sociólogo completa, “o mecanismo do REDD deve ser aproveitado para mobilizar recursos e proteger essas riquezas, para os indígenas e com os indígenas”.

Proteção territorial

O Coordenador Regional da FUNAI de Belém, Jouscelino Bessa, diz que o órgão utiliza-se da provocação com relação ao REDD, pois os recursos destinados para a proteção do território indígena são insuficientes. Desde 2005 a FUNAI discute os créditos de carbono. Atualmente existem três propostas com relação aos REDDs em tramitação no Senado, e ainda não se sabe qual será aprovada, por isso apesar da posição fomentadora do debate pela FUNAI, essa ainda não foi estendida aos índios pela falta de regulamentação.
A provocação vem no sentido de que esse REDD venha para trazer mecanismos que façam as comunidades indígenas resistirem a assédios. A ideia é construir o REDD visando proteger essas comunidades. “Nós não temos como bancar a defesa desse território, a provocação tai.”

O que dificulta ainda mais a as questões do REDD e Créditos de Carbono é que a constituição não permite contratos de terras na floresta amazônica.

Segundo Jouscelino Bessa, sem regulamentação a maior parte do governo brasileiro entende que o REDD pode ser perigoso, e completa, “Se colocarmos a nossa floresta nesse mercado, todos vão comprar os créditos e não se preocuparão em diminuir as emissões em seus países e se não protegermos as populações que lá estão, a floresta vai sumir do mesmo jeito. A proteção da floresta é o meio mais eficaz de minimizarmos as emissões e consequências do efeito estufa.”

Território indígena e seus habitantes

O Kaingang, Edmar Fernandes, Presidente da Associação dos Indígenas da UFPA, faz mestrado em Direito pela UFPA, começou a palestra agradecendo o convite, dizendo que a sua participação na mesa é importante para os indígenas, pois essas discussões se ampliarão quando repassadas as lideranças nas aldeias.

“A terra tem muita importância para nós indígenas. Somos mais de 250 povos indígenas, só no Pará são mais de 50. Portanto pensamos diferentes um dos outros, temos conhecimentos específicos, vivemos em lugares e ambientes diversos, então a terra para nós, faz parte de algo maior, é lá que trabalhamos a nossa identidade, o ‘ser’ indígena, então é necessário que tenhamos autonomia sobre ela, pelo nosso usufruto”.

Pela incompreensão desses fatores, muitas vezes o indígena é discriminado pela forma como utiliza as suas terras, diz Edmar, “O modo de utilização do solo, é diferente para os índios, e nas suas delimitações somos nós que mandamos, portanto somos nós que definimos como utilizaremos nossas terras”.

As questões dos REDDs deixam os indígenas receosos quanto à forma que essas terras serão utilizadas e que essas questões abrem precedentes para mais uma colonização, de varias que eles já enfrentaram.

Edmar Fernandes finaliza dizendo “A declaração universal dos povos indígenas garante a consulta aos povos quanto à utilização dessas terras, então é necessário que os povos sejam consultados e que dessa forma sejam mostrados os dois lados da moeda e até onde pode ser bom e até onde pode ser ruim para os índios. Quais os impactos dos REDD para os povos indígenas? Ele esta sendo discutido da forma correta? De que forma pode garantir o direito ao uso dessas terras? E de que forma pode contribuir para a continuidade dos nossos povos?”.

Essas e outras questões ainda terão de ser respondidas para que possamos ter certeza se os Créditos de Carbono, de fato, poderão ser a mudança definitiva para soluções em sustentabilidade de que o planeta necessita.

Por Mateus BreyerÍndio quer saber